Tudo no mesmo lugar ao mesmo tempo — Um retrato sobre a dualidade Escolha-Sacrifício
Estreou nessa semana, mais precisamente no dia 23 de Junho de 2022, o aclamado filme Tudo no Mesmo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once), da ovacionada produtora A24. Ao contar a história de Evelyn Wang (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa e dona de uma lavanderia ao lado de seu marido sino-americano, Waymond (Ke Huy Quan), e sua complicada relação com sua filha lésbica Joy (Stephanie Hsu).
Um certo dia Evelyn, seu pai e seu marido vão à uma espécie de Receita Federal da cidade onde moram, nos Estados Unidos, e lá enquanto ela conversa com a auditora Deidre, interpretada pela veterna Jamie Lee Curtis, ela é avisada de uma ruptura multidimensional, que envolve múltiplas realidades e assim consequentemente, diversas versões de Evelyn,sua família e todos que circulam a sua volta.
Assim, Evelyn se torna a heroína inesperada dentro de uma jornada em um multiverso, que assim como o poster do filme, é caótico e tudo que ele demonstra é o produto de um tema muito trabalhado dentro dos estudos téoricos em Economia, a Dualidade Escolha-Sacrifício.
Antes de entrar na parte mais aprofundada de teoria econômica, explicarei aqui como que o multiverso do filme é utilizado de forma magistral, o que transforma Tudo no mesmo lugar ao mesmo tempo em um modelo a ser seguido quando se trata do tema. Toda a questão que envolve a ruptura multidimensional, serve ao lado de outros elementos diversos, como por exemplo, o humor ácido e a mistura entre diversos gêneros cinematográficos para mostrar como Evelyn se relaciona com os outros e principalmente, como ela se relaciona com ela mesma, como ela se vê e como ela pode aprender com as suas outras versões.
E a partir desse ponto que o filme inicia uma reflexão, que é antes de tudo absurdista, sobre os impacto das escolhas de Evelyn, suas tentativas ou não, fracassos e sucessos. É nesse ponto que se inicia a reflexão econômica, que eu aqui pretendo realizar.
Quando se trata de Economia, normalmente pessoas leigas pensam em lucro, dinheiro ou qualquer coisa correlacionada, perceba elas não estão erradas, o “grande x da questão” é que tudo isso é uma pequena parte que circunda o objeto de estudo dos economistas. Economia, acima de tudo, se preocupa com escolhas e elas surgem como consequência do principal norteador do trabalho dos economistas, a Escassez.
Tal norteador, é um conceito fundamental da teoria de preços, tendo “Sacrifício” como a principal palavra-chave para sua compreensão. Sacrifício, economicamente falando, significa em termos práticos a disposição da quantidade de um bem a ser consumida, em troca de outro, de modo que ao final, o consumidor em questão esteja pelo menos indiferente a essa troca.
Assim, podemos definir escassez da seguinte forma:
“Dizer se um bem é escasso ou não, é necessário verificar se para o consumo do mesmo, é necessário a incorrência de um sacríficio, existe uma dualidade escolha-sacrifício.”
Tal definição, aparece como o 3° postulado, proposto por Alchian, para a definição do Homo Economicus.
“Postulados de Alchian para o Homo Economicus:
I. Cada pessoa deseja uma multiplicidade de bens.
II. Para cada pessoa, alguns bens são escassos.
III. Uma pessoa está disposta a sacrificar algo de qualquer bem para obter mais de outro.
IV. Quanto mais se tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal desse bem.
V. Nem todas as pessaos tem padrões idênticos de preferências.”
No fundo, tudo isso pode ser muito bem resumido pelo excerto do livro “The Economic Way of Thinking” escrito por Paul Heyne em 1980.
Que em tradução livre:
“Se as pessoas podem ter tudo o que desejam de algum bem, sem serem obrigadas a sacrificar qualquer outra coisa que também seja desejada, esse bem não é escasso, é um bem gratuito. Obviamente, não há muitos bens gratuitos em nossa sociedade, apesar daquela música dizer que as melhores coisas da vida não possam ser compradas com dinheiro, porém isso não os tornam mercadorias gratuitas” Paul Heyne, The Economic Way of Thinking
Dessa maneira, podemos interpretar o filme como um grande retrato do que se trata essa dualidade, Evelyn no decorrer de sua vida, abdicou de sonhos e objetivos, afim de cuidar de sua família, seu casamento. Mostrando que assim como fala a teoria econômica ortodoxa, para toda escolha existe uma renúncia, mesmo que essa não seja uma renúncia financeira ou da quantidade consumida de um bem.
Dentro da obra, tratamos sacríficio e escolhas como algo que poderia ser feito ou não, o poder do “e se”, aquilo que poderia ter sido e não aconteceu ou aquilo que não aconteceu e poderia ter acontecido, no fim isso se trata de uma pergunta sem resposta funcionando como se fosse um ciclo, guarde essa palavra, dado que a ação não foi realizada e ação é aquilo que demonstra a preferência de um agente em relação a algo.
A atitude de Evelyn, por exemplo, de não tentar se tornar uma cantora, um de seus sonhos, mostra que ela preferiu continuar dentro daquele ciclo dentro da lavanderia.
O ciclo funciona como um signo dentro do filme, seja pelo ciclo desenhado pela auditora em uma nota fiscal, seja pelas roupas girando dentro da máquina de lavar, todas elas saindo de um ponto e retornando exatamente ao mesmo depois de uma rotação, fazendo referência ao conceito de Ouroboros e ao Eterno Retorno nietzschiano.
No fundo, tudo o que o filme debate sobre escolhas é a importância da compreensão delas para o autoconhecimento, compreender escolhas é além de poder conseguir entender como alocar recursos escassos, sejam eles bens tangíveis ou não, mas também compreender como o mundo funciona. Vale ressaltar que além desse debate microeconômico aqui investigado, o filme se propõe também a satirizar a síndrome de pequeno poder da auditora, a falar sobre aceitação e descoberta LGBT e muitos outros assuntos. Fazendo jus ao seu título, afinal nele temos Tudo no mesmo lugar ao mesmo tempo.